Extraído de QUESTÃO DE ESPAÇO

© Gil Marçal, 1996

>sem sentido
>momentos na noite
>diálogo com a morte
>ó américa, quantos corações...
>ingênuo furacão
>restos
>sonho o dia em que pararei de sonhar...

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Sem Sentido

Pura e doce.
Arrogâncias que se dissolviam
como dissonância no ar.
Será que é pra
mostrarmos pra todos
que somos capazes de brilhar
sem purpurina,
de amarmos sem paralelepípedos
e conseguirmos viver sem o
barulho do liqüidificador
ou o ronco da máquina de lavar?
Não sei, ainda não tenho
máquina de lavar.
Ano passado
viver repassado
país amarrotado

 
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Momentos na Noite

Com a colaboração de Marli Lana.
Este poema esteve entre os finalistas do concurso
Poesia Jovem das Bibliotecas Municipais de São Paulo, 1997

O mundo em silêncio dorme.
Um vento leve e suave
viaja nas roupas que se encontram nos varais.
Um arrepio.
Corro até as lágrimas para ver a vida.
O mundo dorme em silêncio
e a poesia nem serve mais
pra passar o tempo.
O tempo está queimando
e amanhã viajam bolachas.
Um sapato branco passeia no chão.
Junto com ele vem o dom
do meu desespero.
Umas estrelas enfeitam o céu
e o resto de luz, o vento levou,
meu cigarro já acabou,
a cachaça se despediu de mim
junto com a mulher e os quatro filhos,
junto com os atentos e os lamentos.
Sufoco, sufoco-me
num simples instante em saber
quem fui eu.
O cachorro latiu, latiu de novo,
a estrela continua grudada no céu,
o sapato branco me deu tchau
e a meia nem olhou pra trás
por saber que eu não a lavarei
jamais.
O cachorro latiu de novo,
ele queria ser notado
e eu também.

 
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Diálogo com a Morte

Sorrindo, olho pra ela e falo:
– Você não tem nada a ver comigo!
A Morte também sorri e me responde:
– Claro que não, você é que tem a ver comigo!
Concordo popularmente:
– Para morrer basta estar vivo!
A Morte continua sorrindo e responde:
– Para viver basta estar morto!
Pergunto:
– Como é a vida depois que se morre?
Ela pára de sorrir, pensa e me responde:
– Não sei, eu ainda não morri!!!

 
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* * *

Ó América, quantos corações
já bateram em suas Latinas vidas?
Tambores misturando-se e
desintegrando-se com as batidas
dos seus corações.
Quantas Américas Latinas
existiram um dia?
Quantos corações já bateram
em suas terras?
Insaciados corações canibais!

 
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Ingênuo Furacão

Há mil anos atrás
eu era muito triste,
muito só,
me desmanchava em lágrimas;
certa vez, chorei tanto, mas tanto,
que minhas lágrimas
invadiram o mundo
e tudo se acabou.
Depois de mil anos
fiz amigos, conheci o amor
e uma luz se acendeu em meu coração
e hoje lá prevalece uma chama –
aliás, por que será que falam
que o mundo vai se acabar em chamas?

 
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Restos

Entro no quarto e tiro a roupa
deixo o desbotado lenço cair no vão
pego a marmita e sento no chão
arroz e feijão, um pedaço de pão

Farto a solidão, sirvo-a no chão,
senta-se, alimento-a sem olhar para a mão
caio na cama como se fosse água
durmo tranqüilo como se fosse caspa

 
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sonho o dia de parar de sonhar e viver a realidade.
os sonhos não seriam realidades?
realidades vividas e satisfeitas pelos açúcares amados:
um sabor de vidas verdes & maduras raízes;
quero viver intensamente,
não só em livros de literaturas.
vai que eu vou.
e se você não for,
eu vou 

 
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