Trimembração Social

Trimembração

Trimembração Social – um primeiro esboço

Em meio aos escombros da 1.ª Guerra Mundial o pensador Rudolf Steiner propôs uma forma de organização política-social-econômica que poderia ter evitado:

  • as crises econômicas dos anos 20 e 30
  • a 2ª Guerra Mundial
  • a divisão do mundo em duas esferas de influência (Guerra Fria)
  • o abismo crescente entre ricos e desprovidos (momento atual)

Embora em 1920-e-pouco Steiner fosse uma das personalidades mais conhecidas da Alemanha, diversos fatores, inclusive a ascenção do nazismo, prejudicaram a divulgação dessa idéia-matriz, chamada Trimembração do Organismo Social, ou apenas Trimembração Social:

Assim como os corpos vivos tem atividade nervosa, digestiva, circulatória etc., cada uma com seu funcionamento próprio porém interdependentes e partes do mesmo corpo, assim todas as atividades e fatos da sociedade humana se distribuem em três grandes áreas: vida econômicavida culturalvida normativa.

 

  • Vida econômica é tudo o que produz bens, recursos, riquezas, para o uso da sociedade inteira.Vida cultural não é apenas arte, mas tudo o que tem a ver com conhecimento, idéias, valores – e capacidades humanas, seja em nível de pesquisa, de educação, de criação, e outras formas de cultivo (p.ex. as opções religiosas das pessoas).Vida normativa são as instâncias em que os diferentes atores da vida social decidem as regras do jogo, fazem acordos, e cuidam de que esses acordos sejam executados. São os espaços de discussão e representação, órgãos de administração, agências reguladoras, instâncias jurídicas etc. Aí estão as funções do que chamamos Estado ou governo, porém não como cabeça, “no alto” da sociedade, e sim no meio, ajudando na correta distribuição e coordenação entre as partes.

Cada uma dessas esferas de atividades tem por sua própria natureza um atributo ou lei de funcionamento:

Vida cultural:……LIBERDADE

Vida normativa:..IGUALDADE

Vida econômica:..FRATERNIDADE

A lei saudável numa esfera torna-se nociva na outra:

vida cultural é responsável pela criatividade da sociedade, através de um borbulhamento livre das criatividades dos indivíduos. Neste campo, igualdade significaria totalitarismo, massificação, estagnação. Portanto:

Vida cultural saudável se expressa em individualismo.   (Porém…)

Na vida normativa, isto é, na decisão e execução dos acordos sociais, cada ser humano tem valor igual ao de qualquer outro. Aqui o indivíduo não tem liberdade de impor nada. Portanto:

Vida normativa saudável se expressa em democracia.   (Porém…)

vida econômica é responsável por suprir os seres humanos daquilo de que necessitam. Aqui, liberdade de fazer o que se bem entender sem levar em conta as necessidades sociais (como quer o neo-liberalismo), produz concentração e exclusão. Portanto:

Vida econômica saudável se expressa em socialismo.   (Porém…)

Temos então:
IndividualismoDemocracia e Socialismo ao mesmo tempo – 
porém…

E  Com a palavra Socialismo, Steiner de nenhum modo está propondo a estatização e burocratização da vida econômica! Propõe, isso sim, um associativismo autogestionável – e consciente de que seus objetivos são beneficiar a humanidade inteira, globalmente. Para isso, sempre têm que sentar juntos, na mesma associação, representantes dos produtores e dos consumidores de cada setor. E com poder decisório: é só do consenso dos contrários que os próprios preços podem ser decididos! (Naturalmente não cabe aqui o detalhamento do assunto, que vem sendo estudado por economistas como o inglês Christopher Houghton Budd, da NewEconomy).

E  Uma Democracia capaz de viabilizar tal ordem social precisa ir além do modelo representativo atual, que se tornou excessivo e viciado, tornando-se mais direta e participativa!

E  O Individualismo vale dentro da esfera dos fenômenos culturais, p.ex. enquanto se pesquisa ou se cria uma obra – mas na hora de repassar os resultados à sociedade, não cabe ao indivíduo reivindicar exclusividade nos benefícios econômicos, pois isso já pertence à área econômica, onde o princípio não é o individualismo, mas a fraternidade… – Por outro lado, é claro que pessoas sozinhas não dão conta de realizar todas as funções da vida cultural, p.ex. a educação: para isso, cabe organizar-se em instituições civis autônomas, que preservem a característica da Liberdade (a forma atualmente chamada Terceiro Setor).

Assim, relação entre vida cultural e economia é uma peça central do sistema:

Ÿ  A Vida Cultural não tem como beneficiar a todos, nem como ser realmente livre para descobrir novos rumos, se tiver que se custear segundo a lógica do mercado.

Ÿ  Já a Vida Econômica gera valores excedentes (net worth) que, se não forem distribuídos, tornam-se destrutivos a ela mesma e a toda a saúde da sociedade. É preciso portanto encaminhá-los para o que é sua verdadeira razão de ser: devem ser retornados à sociedade financiando a Vida Cultural (realizada pelo Terceiro Setor).

Ÿ  Isso não é meramente desinteressado, já que a Vida Econômica não prospera sem a educação e a criatividade gerados pela Vida Cultural! Ou seja: a Vida Econômica também recebe benefícios da Vida Cultural; pode fazer-lhe sugestões, mas não tem direito de impor-lhe os rumos. Custeá-la já é uma retribuição, e não compra o direito de dirigir!

Ÿ  É função da Vida Normativa, que é a dos acordos comuns, garantir que os recursos fluam de forma justa, igualitária, sem interferências indevidas – porém igualmente sem determinar os conteúdos da Vida Cultural (como se determinava p.ex. na URSS): é claro que a Vida Cultural pode (e muitas vezes deve) aceitar sugestões das outras esferas, mas é fundamentalmente autônoma!

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Finalmente:

Escolher a Trimembração como forma de entender e gerir a sociedade é independente da concordância ou discordância com outros movimentos inspirados em idéias de Rudolf Steiner (pedagogia Waldorf, agricultura biodinâmica, iniciativas antroposóficas em geral): justamente a absoluta liberdade na vida cultural torna essas idéias todas uma questão de opção pessoal.
A Trimembração não é uma idéia interna de nenhuma corrente ou grupo, mas pertence à humanidade toda.
Se tivermos a “esperteza” de adotá-la, depois cada um terá tempo de escolher de que jeito quer viver, sem que isso seja nocivo aos outros.

Esclarecimento para quem é das ciências sociais…: é possível que se queiram descartar estas idéias jogando-as numa gaveta com o rótulo “organicismo”, na linguagem das ciências sociais. A palavra não está errada, pois aqui a sociedade é realmente vista como organismo. O importante é não confundir com o organicimo aristotélico-medieval, que relacionava grupos sociais a partes anatômicas de um corpo, justificando assim a divisão de classes e a opressão (estes são cabeça, aqueles são pernas, etc). Neste “neo-organicismo” temos um conceito atual de organismo, posterior à formulação da ecologia. Além da dimensão analógica (que poderia p.ex. se referir a organismos vegetais e não animais), é possível a leitura literal (do mesmo modo como um ecossistema é um organismo). Tampouco se trata de análise anatômica de um organismo (quais são suas partes), e sim de análise fisiológica (quais são suas funções e atividades), sendo que as três funções descritas estão presentes no tecido social inteiro, não sendo exclusividade de classes, setores ou grupos.

Um resumo (será completado em breve):

Esfera da vida da Sociedade

Palavras-chave

O que lhe cabe

O que não lhe cabe

VIDA CULTURAL
ou espiritual, intelectual etc.
(Geistesleben)
LIBERDADE,
INDIVIDUALISMO
– ser o pólo de criatividade e de informação da sociedade;
como pólo inovador / renovador, ‘sonhar’ a sociedade livremente;
– impor seus conhecimentos à sociedade como decisões (ditadura da ciência ou dos técnicos);
– tratar a informação, educação, bens culturais etc. como mercadoria;
– estabelecer-se em sistemas, corporações etc. que limitem o pensamento e criatividade do indivíduo;
VIDA NORMATIVA
ou jurídico-administrativa,
dos direitos etc.
(Rechtsleben)
IGUALDADE,
DEMOCRACIA
– trazer ao diálogo todos os diferentes interesses sociais; estabelecer as regras do jogo em forma de ACORDOS, e zelar pelo seu cumprimento;
– exercer funções de mediação em geral, inclusive entre a ncessária fantasia da vida cultural e o necessário realismo da vida econômica;
-cuidar que a atuação das vidas cultural e econômica e a aplicação dos seus resultados não se dê de forma socialmente destrutiva;
– interferir nos processos internos da vida cultural (p.ex. limitação ideológica à criação, imposição de sistema pedagógico) ou da vida econômica (p.ex. normatizando procedimentos técnicos que não por razões de real necessidade social);
tomar o lugar da iniciativa civil na responsabilidade pela vida cultural e pela vida econômica;
VIDA ECONÔMICA
(Wirtschaftsleben)
FRATERNIDADE,
SOCIALISMO, ASSOCIATIVISMO
– responder às necessidades materiais das pessoas;
– como pólo da viabilização, ser realista (relativamente conservador);
– gerar a riqueza necessária para a manutenção da sociedade com todas as suas funções;
– tratar a si mesma como fim e não como meio;
– impor as leis do funcionamento econômico aos outros setores da vida;
– direcionar os objetivos e procedimentos da vida cultural e (muito menos!) da vida normativa.

Este texto de apresentação foi preparado por Ralf Rickli, da Trópis (links abaixo)

Mais referências sobre a Trimembração Social
(às vezes com abordagens diferenciadas) 
podem ser procuradas de:

apresentação
página inicial
https://www.tropis.orge-mail: tropis@tropis.orgde volta à lista de publicações
Em outras línguas:www.dreigliederung.de
(alemão com links p. outras línguas)
www.associative-economics.com
(inglês)
www.institut-ae.com
(versão em francês do acima)
Em português:http://www.elo.org.br

http://www.humanizar.com.br

 

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